Cientistas realizam queimada controlada em quatro hectares de
floresta no Acre para estudar combustão da biomassa. Primeiros
resultados mostram que 50% do material queimado é convertido em gases de
efeito estufa. Estudo integra Projeto Temático da FAPESP.
Um grupo de pesquisadores de diversas instituições brasileiras
realizou, na última semana de setembro, uma queimada controlada para
análise científica em quatro hectares de floresta na região de Rio
Branco (Acre).
O estudo, que faz parte do Projeto Temático “Combustão da biomassa em florestas Tropicais”,
financiado pela FAPESP, tem o objetivo de avaliar o impacto das
queimadas na atmosfera, na regeneração da floresta e no solo da
Amazônia.
O projeto é coordenado por João Andrade de Carvalho Junior, professor
da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
em Guaratinguetá (SP). O estudo foi feito em parceria com a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal do Acre (Ufac), a
Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de São Paulo (USP) e a
Universidade de Washington, entre outras instituições.
De acordo com Carvalho, as queimadas controladas têm sido realizadas
pelo projeto no Acre e em Mato Grosso. Estudos sobre o tema têm sido
financiados pela FAPESP desde 1993 em diversos projetos sucessivos. O
atual Temático, iniciado em 2009, prevê a realização de três queimadas. A
primeira havia sido realizada na região de Cruzeiro do Sul (Acre), em
setembro de 2010. A terceira deverá ser realizada em 2013.
“Os dados da pesquisa permitirão quantificar os teores de carbono
equivalente emitidos durante a queima, avaliar como os nutrientes do
solo reagem às altas temperaturas, entender a dinâmica de regeneração
natural da vegetação e medir os níveis de partículas no ar que podem
causar danos ao sistema respiratório humano, entre vários outros
aspectos”, disse Carvalho à Agência FAPESP.
O controle da queimada realizada pelos cientistas é rigoroso, segundo
Carvalho. A pesquisa conta com a autorização da Justiça Federal e
Estadual e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e as ações
obedecem a exigências legais estabelecidas pelos órgãos de controle
ambiental. O corte da vegetação foi autorizada pelo Instituto de Meio
Ambiente do Acre (Imac) e pela Secretaria de Meio Ambiente do estado.
Os resultados do projeto indicam até agora que a eficiência de
combustão é de 50% na área onde foi realizada a queimada. Isto é, metade
do estoque de carbono armazenado em um hectare de floresta se
transforma, com a queimada, em gases de efeito estufa. Na queimada
anterior, realizada também quatro hectares, mas em Cruzeiro do Sul,
foram emitidas cerca de 305 toneladas de gás carbônico.
“Constatamos que aproximadamente metade do material que é queimado se
transforma em gases de efeito estufa como CO2 e metano. Antes de
realizar a queimada, fazemos uma caracterização de toda a biomassa do
local. O sítio de Cruzeiro do Sul tinha 582 árvores acima de 10
centímetros de diâmetro”, disse Carvalho.
Uma das árvores tinha entre 95 e 100 centímetros e uma delas tinha
mais de um metro de diâmetro. Só essa árvore maior tinha de 8 a 9% do
total da biomassa dos quatro hectares. Verificamos que o metano
corresponde a cerca de 13% do total das emissões”, disse.
Se o dado obtido em Cruzeiro do Sul pudesse ser extrapolado para toda
a floresta amazônica, os níveis atuais de desmatamento, da ordem de 7
mil quilômetros quadrados anuais, provocariam uma emissão de CO2
equivalente comparável às emissões de cerca de 50 milhões de automóveis.
“Felizmente, o desmatamento caiu muito, mas já tivemos anos em que a
devastação chegou a atingir 27,5 mil quilômetros quadrados. Se os dados
fossem extrapolados para toda a Amazônia em um ano com desmatamento
dessa magnitude, a emissão de CO2 seria comparável à poluição produzida
por quase 200 milhões de automóveis”, afirmou.
O estudo é realizado em diversas fases e inclui uma série de
avaliações antes, durante e depois da queima. Em Rio Branco, diversos
equipamentos instalados em uma torre de 15 metros de altura, na área de
pesquisa, ajudam na coleta de informações.
Dois meses antes da queima, foi realizado o inventário florestal,
para identificação e medicão das árvores e a coleta de amostras de
solos. A etapa seguinte foi o corte da floresta.
Os resultados das análises serão comparados e servirão para aferir a
quantidade de carbono, nutrientes e microorganismos permanecem no solo
após a queima. Além disso, será avaliado o que ocorre com a qualidade
do ar.
Dados para o IPCC
Os resultados do Projeto Temático terão grande importância para a
elaboração e estruturação de políticas públicas voltadas para o tema, de
acordo com Carvalho. Segundo ele, os dados já levantados em outras
etapas já são aproveitados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) para calcular as emissões de gases de efeito estufa
de queimadas na Amazônia.
“As queimadas controladas têm resultados diferentes em cada região.
Em Cruzeiro do Sul, por exemplo, a densidade da floresta é maior. Unindo
aqueles dados aos de Rio Branco, poderemos refinar os índices e
definir uma média que possibilite calcular as emissões de todo o
estado. Considerar as características locais é importante para reduzir
as incertezas relacionadas às emissões provenientes das diferentes
regiões da Amazônia e traçar políticas públicas”, disse.
Carvalho afirma que o experimento inclui medições de emissões de
dióxido de carbono e de metano. “O principal gás de efeito estufa é o
dióxido de carbono. Mas o metano é importante porque, embora seja
emitido em menor quantidade, tem um poder de aquecimento 21 vezes maior
que o CO2”, explicou.
Os pesquisadores também medem a concentração de partículas, em
especial as mais finas, que têm mais impactos negativos sobre a saúde
humana.
“Também estudamos a regeneração da floresta. Utilizamos um sítio de
queimada controlada em Alta Floresta desde 1997, o que permite estudar
como a biomassa se recupera. Estamos começando a fazer isso no Acre
também”, explicou.
Segundo Carvalho, a biomassa de maior porte, como grandes troncos,
queima de duas formas diferentes: o estágio de chama e o estágio de
incandescência. A combustão no estágio de incandescência é muito mais
lenta, mas também emite gases. “Procuramos medir a diferença de
concentração das emissões nos dois tipos de queima”, afirmou.
Os cientistas também estudam a propagação de incêndio rasteiro.
Dependendo do grau em que a floresta é recortada, as bordas podem ser
mais secas, permitindo que qualquer chama pequena se propague
rapidamente para dentro da floresta.
“Outro aspecto que procuramos estudar é a transformação de carvão em
emissões. Conforme a madeira queima, parte do carvão gerado fica no
chão e não colabora com o efeito estufa, podendo até ajudar a acelerar a
regeneração da floresta”, disse.
A equipe, segundo Carvalho – que é engenheiro aeronáutico –, conta
com engenheiros químicos, engenheiros mecânicos, biólogos, engenheiros
florestais e um médico. “Algumas frentes do projeto estão se dedicando a
estudar os impactos da queimada na saúde humana e suas consequências
sobre as diversas espécies, como anfíbios e insetos”, disse.
“Todos os cuidados são tomados. Em primeiro lugar é construído um
acero: um caminho que deixa um espaço de cerca de 25 metros em relação
ao resto da mata, a fim de evitar a propagação do fogo. Além disso, a
operação requer a presença de um carro tanque e de uma guarnição do
corpo de bombeiro, que acompanha todo o processo”, explicou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário